22 de abril de 2011

Nossos Pelos Pubianos (Por Tiago de Oliveira)



Ver todos aqueles parentes me deu agonia. Nunca pensei que Luiz fosse tão popular na família. O choro corria frouxo ao redor do caixão. Eu não chorava nem saía do lado dele. A possibilidade da chegada de Maria era uma coisa que me aturdia. Maria era a outra, todos sabiam, creio que até a viúva, que àquela altura dormia à base de remédios. Mas ninguém parecia pensar nisso, só eu. Já estava exausto com aquilo. Em silêncio, com os olhos vermelhos de ódio, eu dizia a ele que acabara com minha vida. Se Maria entrasse por aquela porta a primeira coisa que iria fazer era reivindicar aquele homem. Eu não suportaria ver. Se tocasse naquele caixão, eu mataria aquela mulher como quem mata uma galinha. Seria um escândalo, mas eu já não me importava com nada. Minha vida nunca tinha sido discreta mesmo! A minha vida, desde quando o conheci, se transformara em um inferno de luzes.

Todo mundo falava na rua que o viado da 17 era apaixonado por Luiz e que não fazia força pra esconder. Eu lembro os retalhos. Eu lembro as flores multicoloridas que eu pregava, uma a uma, na longa saia, na velha blusinha de mulher que ele pedia pra que eu vestisse. Eu vestia. Até a calcinha eu vestia, eu não me importava. Eu costurava, endireitava as roupas e a dona achava que era pra ela. Se eu fiz alguma coisa pra alguém daquela casa, eu fiz pra Luiz. Foi pra ele que eu aprendi a adornar dilacerações.

Meu corpo inteiro tornara-se coisa pequena e sem uso ante seu corpo morto. No cemitério, quanto mais a pá cavava a terra, mais o buraco em mim crescia, menos vida eu vivia. Eu ficava pequeno. Eu bem sabia que quando se morre o corpo diminui.

Noite dessas, brincávamos de arrancar com pinças nossos pêlos pubianos, quando ele me disse que sem mim não saberia viver. Eu era quem sem ele não existiria jamais! Eu era quem havia se trancado naquele caixão junto com ele. Quando pusessem o último tijolo e cessassem de uma vez a nossa luz, estaríamos juntos, afinal. Eu estava ali dentro abraçado ao seu corpo esperando que nos deixassem em paz. Mas estando vivo como estava a mim nunca seria dada a paz dos mortos.

3 de abril de 2011

Quedas da vida


Quedas da vida.

Costumava sempre correr rua abaixo. Com sorriso largo, inocência de uma criança de 6 anos. Pulmões cheios de ar, ilusões de uma vida sempre cheia de aventuras, felicidade. Ainda lembro minha mãe aflita a gritar da calçada: “Filho, cuidado pra não cair e se machucar...” Não demorava muito e sem cuidado algum, ali me jogava ao chão. Paralisava um pouco, sentia a dor física e em frações de segundos soltava o chora garganta a fora. Levantava-me, ainda com olhos mergulhados em lágrimas e corria para seus braços em busca de colo. Minutos depois, lá estava novamente correndo sem sentir mais dor alguma em busca de outras aventuras. Erguia a cabeça, estufava o peito novamente, aspirava o doce ar e me lançava.
Ah doce infância! Quantas vezes essas cenas se repetiram? Quantas quedas, quantas lágrimas e quantas marcas e cicatrizes que contam histórias engraçadas, alegres e inocentes? Inúmeras!
Hoje, a passos lentos, com certa e necessária malícia, ainda cometo essas quedas. Sou arremessado. A sensação é de uma queda livre onde cada rajada de vento me corta a pele. No momento não derramo uma lágrima e nem aguardo a fração de segundos para que isso aconteça. Levanto-me com os olhos secos, ora caídos, ora desacreditados. Sinto a dor. Agora não mais somente física e sim a dor da alma. Busco consolo. Sei que ela ainda está ali, mas o máximo que poderá fazer é passar a mão sobre minha cabeça e desejar: “Sorte filho, estarei sempre aqui por você! Andas... Tem um mundo ainda a sua frente te esperando. Não tenhas medo e não abaixe a cabeça nunca. Hoje tu és um homem e saberá levantar-se a cada queda”. Então, estufo o peito, aspiro o ar dolorido e me lanço novamente aos poucos.
Ah cruel vida! Onde tudo é tão grande, a noite é tão mais escura e o vento tão mais frio. Quantas vezes essas cenas se repetem? Quantas quedas, quantos olhos secos e quantas cicatrizes e marcas que contam histórias tristes e maldosas? Incontáveis!