29 de dezembro de 2010
Permita-se
Permita-se realizar, não apenas desejar.
Permita-se sonhar, não apenas esperar.
Permita-se o mundo , não apenas o alcance.
Permita-se o instante, o distante, e o avante.
Permita-se ser livre pra sentir, não seja prisioneiro dos sentimentos.
Permita-se o respeito. Permita-se o grito. Permita-se o silêncio.
Permita-se ser, não permita-se a omissão.
Permita-se você, não espere que liberem a permissão.
Permita-se viver, não apenas existir.
Seja você. Permita-se. Hoje.
Por Cássio Filho.
24 de dezembro de 2010
Mistral Gagnant
Ao me sentar num banco, cinco minutos com você
E olhando as pessoas por aí...
Te falo dos bons tempos... que morreram ou voltarão
enquanto pego teus pequeninos dedos com minha mão.
Dando de mamar aos pombos idiotas e também brincar de chutá-los.
E ouvir tua risada que derruba muros e que sabe curar minhas feridas...
Te contar um pouco sobre quando eu era pequeno...
Os bonboms fabulosos que roubávamos no mercado: Car-en-Sac e Minto,
os caramelos que custavam 1 Franco...
E os Mistral Gagnants...
Ao andar sob a chuva, cinco minutos com você
e olhando a vida que aí está...
Te contar sobre a Terra, abrindo teus olhos!
E falar um pouco sobre sua mãe...
Pular nas poças para ela reclamar,
estragar nossos calçados e morrer de rir depois!
E ouvir tua risada como se escuta o mar...
Parar, e andar para trás...
Te contar, sobretudo, dos carambars de antigamente e dos cocos bohères
E os verdadeiros bombons ácidos que nos cortavam os lábios
e nos manchavam os dentes!
E dos Mistral Gagnants...
Ao me sentar num banco, cinco minutos com você
E olhando o Sol que se põe...
Te falo dos bons tempos... que morreram e eu nem me importo
Te digo que os maus não somos nós...
E se eu pareço o escolhido, são apenas seus olhos,
pois eles têm a vantagem de ser dois!
E escutar tua risada me faz voar bem alto
como voam os passaros cantando...
E te contar, enfim, que é preciso amar a vida
E amar mesmo se o tempo é um assassino
E leva com ele o riso das crianças...
E os Mistral Gagnant...
E os Mistral Gagnant..
Um Zé Qualquer
Crescera em um casebre lá no fundo de um beco sem saída, de um bairro periférico. Do outro
lado existia um terreno baldio, onde todos os dias Zé Maria jogava futebol com os outros guris.
Com 10 anos de idade, seu grande sonho é ser delegado, apesar de não saber exatamente o que faz um delegado. É que um dia ele viu na TV que os delegados são pessoas importantes. Mal sabia ele que pra ser delegado era preciso ser uma pessoa letrada, como dizia sua avó, Dona Bernadete. Zé Maria não conhecia nem a palavra escola, quem dirá freqüentá-la.
Dizia-se o melhor jogador do beco, apesar de Pirulito, seu melhor amigo, não concordar com ele. Para Pirulito, ele era o melhor jogador de futebol da região. Quando não estavam jogando bola os dois estavam roubando frutas nos pés de árvores dos vizinhos. Toda manhã era isso, arrancavam as frutas e saíam correndo. Virava a esquina e pronto, daí era só se deliciar.
O tempo passou e Zé Maria continuou sem saber o que era escola, apesar de não esquecer seu sonho de ser delegado. Pirulito ainda teve um pouco mais de sorte, aprendeu a desenhar seu nome. O primeiro apenas, mas já era um motivo de alegria pra ele. Pelo menos tava mais perto de realizar o seu sonho, de ser médico.
Inseparáveis, os dois continuaram a crescer juntos. Zé Maria completara 18 anos, e pra comemorar, foram a 1° vez conhecer a praia. Três horas de coletivo. Foi uma alegria sem tamanho quando viram o mar. Caraca! igualzinho como na TV, só que maior – disse Pirulito espantado. Correram os dois a mergulhar. Durante esse percurso de corrida calçadão-mar , começou uma movimentação estranha. Era um arrastão. Os ricos pegavam suas bolsas e corriam dos marginais, os marginais corriam da polícia, Zé Maria e Pirulito corriam sem saber o que estava acontecendo. Tiros. Pirulito cai no chão. Zé Maria, seu amigo fiel volta pra ajudá-lo. De repente um policial segurou seu braço: perdeu vagabundo, perdeu.
Foram juntos à praia. Voltaram separados. Zé Maria conhecera da pior forma possível o que fazia um delegado. Ficara preso por 3 anos. Pirulito não teve a mesma sorte, não conhecera a profissão de um médico. Morreu a caminho do hospital.
Por Cássio Filho em 24/12/2010.
23 de dezembro de 2010
O tempo e a solidão
Sentada no batente em frente à casa, esperava por algo consolador. Havia chorado por noites. Olhava sem firmeza para o horizonte. O vento já enxugara as lágrimas que ainda restavam. E por mais que tentasse refugiar-se em pensamentos, a tristeza era sua única companhia. Anos e anos se passaram, e alguns ainda estavam por completar-se. Já não tinha a juventude de antes, mãos enrugadas e tremulas, pele pálida, corpo franzido e ainda as mesmas marcas. Vivia por viver mesmo, era a única razão que restara no momento.
O único amor que restava era pelas flores que ainda cultivava em um cantinho no quintal. Todos os dias as regava, conversava e se despedia. Eram as únicas a compreender a sua solidão.
À noite, pegava o seu casaco de pele, acendia o candelabro e relembrava suas noites em bordeis. Ao som de uma cantiga, bailava como se ainda sentisse o calor do corpo alheio tocar-lhe com força, rodopiando por todo salão e encantando quem ali estava. Num breve momento sentiu seu par conceder o prazer da dança a alguém conhecido. Alguém que acompanhara por todo esse tempo. O calor já não era mais sentido, um frio e um leve parar tomou a atmosfera naquela noite. Já não sentia mais desejo em continuar. Apagou com um triste sopro as velas e tomou-se a chorar.
Já estava acostumada com a sua presença, não emitindo qualquer palavra em retruco. Deitou-se então em seu canto ainda quente de noites passadas, esperando apenas mais um horizonte para olhar. E assim anoitecia, e a solidão a consumia. Nem lágrimas, nem flores enfeitarão a sua solidão.
O Bom velhinho (Por Tiago de Oliveira)
O Bom Velhinho
João do Baleiro vestia a roupa do papai Noel no dia de natal. Saía pelas ruas distribuindo balas às crianças e a quem por ele se afeiçoasse. Era como uma identidade secreta, fantasiado do bom velhinho. A mesma roupa especial ele usava há muitos anos. O corpo cada vez mais esquálido, encardido e desengonçado, perambulava as ruas. Mancava da perna direita e esse era o detalhe que para ele era a chave de seu segredo. No dia de natal e, somente nesse dia, ele não usava muletas. Ficavam guardadas, escondidas sob o colchão velho, como se um dia alguém tivesse tido a curiosidade de descobrir a verdadeira identidade do Noel aleijado. As crianças corriam como se enlouquecidas quando ele, com apito, anunciava a chegada. Gritavam “Jogue aqui, papai Noel! Papai Noel, jogue aqui!” Era sempre uma festa. Durante todo o ano ele economizava parte de sua pensão do INSS para, naquele dia especial, distribuir os doces.
O resto dos dias do ano, João do Baleiro era João do Baleiro e só. Há tempos não sabia o verdadeiro nome. Quando estava sem a roupa vermelha do natal, ele exibia no braço a tatuagem escura com o rosto de uma mulher. Quando lhe perguntavam quem era, respondia: “uma dona aí”. “Daqui num sai mais nunca” – ele dizia. E não sairia mesmo, pelo menos até que lhe comessem as carnes os bichos miúdos do cemitério. Não sairia da pele nem da cabeça.
Contava então os dias para o natal. Os meses passavam numa vagareza só até chegar dezembro, quando ele começava a pechinchar as balas, quando finalmente, em 25 desse mês, ele se transformava em Papai Noel. E durante todo esse dia, jogaria as balas a pedido da criançada, e se esqueceria que, à noite, não pregaria os olhos com uma dor insuportável nas pernas por causa da falta das muletas e que a passaria completamente sozinho.
Por Tiago de Oliveira em 23/12/2010