O Bom Velhinho
João do Baleiro vestia a roupa do papai Noel no dia de natal. Saía pelas ruas distribuindo balas às crianças e a quem por ele se afeiçoasse. Era como uma identidade secreta, fantasiado do bom velhinho. A mesma roupa especial ele usava há muitos anos. O corpo cada vez mais esquálido, encardido e desengonçado, perambulava as ruas. Mancava da perna direita e esse era o detalhe que para ele era a chave de seu segredo. No dia de natal e, somente nesse dia, ele não usava muletas. Ficavam guardadas, escondidas sob o colchão velho, como se um dia alguém tivesse tido a curiosidade de descobrir a verdadeira identidade do Noel aleijado. As crianças corriam como se enlouquecidas quando ele, com apito, anunciava a chegada. Gritavam “Jogue aqui, papai Noel! Papai Noel, jogue aqui!” Era sempre uma festa. Durante todo o ano ele economizava parte de sua pensão do INSS para, naquele dia especial, distribuir os doces.
O resto dos dias do ano, João do Baleiro era João do Baleiro e só. Há tempos não sabia o verdadeiro nome. Quando estava sem a roupa vermelha do natal, ele exibia no braço a tatuagem escura com o rosto de uma mulher. Quando lhe perguntavam quem era, respondia: “uma dona aí”. “Daqui num sai mais nunca” – ele dizia. E não sairia mesmo, pelo menos até que lhe comessem as carnes os bichos miúdos do cemitério. Não sairia da pele nem da cabeça.
Contava então os dias para o natal. Os meses passavam numa vagareza só até chegar dezembro, quando ele começava a pechinchar as balas, quando finalmente, em 25 desse mês, ele se transformava em Papai Noel. E durante todo esse dia, jogaria as balas a pedido da criançada, e se esqueceria que, à noite, não pregaria os olhos com uma dor insuportável nas pernas por causa da falta das muletas e que a passaria completamente sozinho.
Por Tiago de Oliveira em 23/12/2010
Se os próximos textos forem de tão boa leitura quanto esse, será sucesso este blog. Como dizem... parabéns!
ResponderExcluirTocante esse texto. Sensacional
ResponderExcluirTiago, danado! Devia ter falado! Descubro assim né? Tuas aventuras literários-blogueiras? Hum...
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