23 de dezembro de 2010

O Bom velhinho (Por Tiago de Oliveira)

O Bom Velhinho


João do Baleiro vestia a roupa do papai Noel no dia de natal. Saía pelas ruas distribuindo balas às crianças e a quem por ele se afeiçoasse. Era como uma identidade secreta, fantasiado do bom velhinho. A mesma roupa especial ele usava há muitos anos. O corpo cada vez mais esquálido, encardido e desengonçado, perambulava as ruas. Mancava da perna direita e esse era o detalhe que para ele era a chave de seu segredo. No dia de natal e, somente nesse dia, ele não usava muletas. Ficavam guardadas, escondidas sob o colchão velho, como se um dia alguém tivesse tido a curiosidade de descobrir a verdadeira identidade do Noel aleijado. As crianças corriam como se enlouquecidas quando ele, com apito, anunciava a chegada. Gritavam “Jogue aqui, papai Noel! Papai Noel, jogue aqui!” Era sempre uma festa. Durante todo o ano ele economizava parte de sua pensão do INSS para, naquele dia especial, distribuir os doces.

O resto dos dias do ano, João do Baleiro era João do Baleiro e só. Há tempos não sabia o verdadeiro nome. Quando estava sem a roupa vermelha do natal, ele exibia no braço a tatuagem escura com o rosto de uma mulher. Quando lhe perguntavam quem era, respondia: “uma dona aí”. “Daqui num sai mais nunca” – ele dizia. E não sairia mesmo, pelo menos até que lhe comessem as carnes os bichos miúdos do cemitério. Não sairia da pele nem da cabeça.

Contava então os dias para o natal. Os meses passavam numa vagareza só até chegar dezembro, quando ele começava a pechinchar as balas, quando finalmente, em 25 desse mês, ele se transformava em Papai Noel. E durante todo esse dia, jogaria as balas a pedido da criançada, e se esqueceria que, à noite, não pregaria os olhos com uma dor insuportável nas pernas por causa da falta das muletas e que a passaria completamente sozinho.

Por Tiago de Oliveira em 23/12/2010

3 comentários:

  1. Se os próximos textos forem de tão boa leitura quanto esse, será sucesso este blog. Como dizem... parabéns!

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  2. Tiago, danado! Devia ter falado! Descubro assim né? Tuas aventuras literários-blogueiras? Hum...

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